Miolando

29 dezembro, 2007

resoluções de marca nova



ponto um: continuar

27 dezembro, 2007


beber




à possibilidade desse canto
maravilhoso

que

todos os dias

revela

as nossas mãos





foto.Simone Hertel

24 dezembro, 2007

Rodando a cair
veio uma estrela ninja

riscou o chão
sulcou a pedra
queimou em faíscas
algumas pontas
e aterrou na cinza fria

Reza a história
que ninja não era
mas cadente
.
.
.
reza a história
agora diferente

19 dezembro, 2007




era sol era mar

mais um dia a voar


era sol era só


mais um dia a ser




foto.Paulo A

17 dezembro, 2007

não possuo enxoval
nem colecciono rendas,
panos e louças
para levar comigo um dia

no meu dote
tenho as rendas
bordadas ao fim do dia no céu poente
os panos de fibra verde
estendidos sobre a terra
as louças de cacos fosséis
banhadas a espuma

e um baú sem fundo agrilhoado
onde guardo a quinquilharia
que apanho todos os dias

13 dezembro, 2007

16ª diária

"estou um pouco demorado. mas pretendo atingir as mil melodias. agora é hoje e hoje é depois. ontem jurei em silêncio que em janeiro não tocaria mais com ela. a sensação de frescura é traiçoeira, bem sei; a ilusão da mudança pode trazer o reinício em que nada se sabia, nem o que agora anoto, nem um sopro, nem o seu beijo quente; mas pretendo atingir as mil canções; a partir de janeiro. ontem, depois do ensaio, desci as escadas percebendo que talvez nada me mate; o que assustadoramente se afirma como nada me vive; mas pretendo compor mil nem que para isso tenha que chegar a janeiro só, tão só como me sinto agora que é hoje e depois de ontem" eugénio alves da cruz. lisboa. 13 de dezembro de 1997.



mapa




tanto tempo a parar nas mesmas palavras cegos como surdos tudo se roda interminável num tempo de vidro sem urgência nem vagar um tempo liso sem tempo tudo se come apenas se enrola se engana sem quase ser atravesso as plantas dos pés imóveis bem assentes nos riscos os mapas ramificadas as pernas

incapaz de reconhecer a regularidade insidiosa do discurso um discurso sem fala frases esburacadas iguais a mil frases outras mil bocas outras tudo se joga de facto no corpo um corpo de pele intemporal e porém visível em dias onde desmedidamente o calor onde tudo se abre onde nada se abre onde

se joga tudo diria ela tudo o que não foi capaz de reconhecer vazio para si do ouvinte haveria de esquecer aquela afonia tão prevível tão escancarada tão incontornavelmente desamparada que se deixara morrer dentro do discurso onde nunca se geme onde nunca se grita onde nunca se acola onde nunca se nem

a respiração reconhece agora tinha ficado caída na terra há quanto tempo há quantas letras quantas luas ondas que barcos a água do discurso draga líquido que chupa líquido e se encolhe se recolha recta à medida dos ossos já brancos roxos de sinais agudos agonia cerrada com força na palma da mão


foto Ema / L

11 dezembro, 2007

2ªs vésperas

"vou ter contigo esta noite. já. agora. já devia ter ido. não me farás mal. não magoas. nenhuma das tuas melodias foram feitas para matar. o tempo que demoras é o eco com que me chamas. não aguento esperar. não suporto adormecer em frente à televisão. deveria ser mais do que esta falta sobre o corpo mas não sou. enrolo quando me acenas. ronrono quando me afagas; preciso tanto do teu abraço e que toques para mim; ou ao meu lado; ou escutar-te no quarto dos fundos; não suporto adormecer à tua espera, vou ter contigo; não me matarás, não bates com as tuas músicas; o tempo que atrasas é a fundura do eco com que me chamas; cantarei o que for preciso; faz da minha voz a melodia necessária; e regressa comigo, meu amor, regressa comigo, adormece enrolado em mim até terminar a emissão" maria biatriz. lisboa. 11 de dezembro de 1998

10 dezembro, 2007

ÍCONES




do fundo do ouro, os teus olhos presos, os generosos braços

embora os panos te escondam, no horizonte do gesto que desenhas
resgatas com delicadeza o amor

outros olhares, pouco antes, que se julgaram igualmente delicados,
deixaram de te reconhecer


fosse a devoção dos reis
ou o amor dos santos


a redenção firmou (equívocos)

na devassa de um corpo sem memória



1.12.07

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15ª diária

"quem regressa tardio como eu; lhe faltam palavras; gasta vontade não levanta braços não emite sons, não os enrola na língua de sensos; a paz deve conter sempre algum cansaço; é fácil lembrar o corpo dela; de como transpirava; já tenho idade para perceber que me escondo na boca do saxofone; e que é dele que surjo como bicho da cova: e que a ele torno; e que dele saio; alguma da ciência é o tempo quando: o bicho procura comida quando a fome, esconde-se ameaçado; lembrar o corpo dela; de como tremia; passar o tempo todo em concerto que não termine - não termine o seu respirar ofegante, não acabe a língua longa com que me molhava, não mo faça esperar: quem regressa tardio como eu - já tenho idade para perceber que morro e como ser eterno: apertar ligeiramente os lábios, um ataque de leve sopro em torno da boquilha e; o sopro de que se vive ser o sopro que esvazia; o som que amplia ser a melodia que ensurdece; confuso; cansado. cansado."
eugénio alves da cruz, lisboa, 8 de novembro de 1997

09 dezembro, 2007



gerês (geografias)







não eram cinco era mais tarde

no corpo nu limpo e volátil

rio de abrigo névoa de abraço

a luz não fala apenas se arde







foto. lonesome swimmer Sonja Kersten

08 dezembro, 2007


embuscada

toda a vida

subiu escadas

em busca

perdeu pernas

deixou braços

chegou ao topo

atirou-se de cabeça

para o círculo do fogo

ficou preso

agora aqualquermomento

a luz passará a trevas

e o corpo a frio negro

fio de luz

04 dezembro, 2007

parte.ida

sulquei o mar
coei as ondas
espremi as rochas até fazer sangue

mas quando meus olhos se amaram
o marulho embala-me para naufragar

assim desnuda
sem armas
nem despojos
entrego o novelo
que sempre carreguei

depositem-no no cofre salgado
com a combinação que deixei

obrigada

02 dezembro, 2007

roubei grãos para a minha ampulheta

saudades dos grãos teus
a temperar-me a pele
saudades dos pés meus
a aquecerem no sol do chão

.viro o tronco de vidro
com muletas de madeira
e o tempo manca
coxeia