
voltei hoje dos encontros de asa. dos anjos, finalmente, de que tínhamos falado. dos anjos a sério. encontrei-os por aí: em comboios, palcos, em palavras, ouvidas ao acaso. misturando asas e desalento, às vezes uma magnífica e irrecusá

vel miséria ancestral, massa de um cinza desamparado, tortuosa, deserta, magnética. abri também eu as asas, um pouco apenas. a ensaiar voos, pequenas elevações. meros ensaios, pouco precisos muito precisos, lembrar o trigo da minha avó, misturar os alucinogéneos que se lhe escondiam, escuros e preciosos, sorrir à poeira espantada e terna das gentes de rocha e dor, das gentes de vinho e mel, ancorar a minha própria dor gravada e de-corada, ali mesmo, por ali, precisa, exacta, esgaravatada naquelas mesmas pedras, quartzo, feldspato e mica, planalto, brilho lunar, brilho branco, brilho incandescente, nas horas paradas para sempre penduradas nas estações onde o comboio deixou de passar há que tempos e no entanto ainda os fogos e as faúlhas no olhar, o choro seco das despedidas, o apito ali mesmo, o silvo breve que antecede o movimento, tudo ali, as asas também e logo nada e logo nada, apenas o acende-dor dos candeeiros e o lobisomem que assombra perdidamente o desassombro; candeeiros de lâmpadas que empalidecem velam o conta-gotas de uma solidão pastosa neste ocaso lentíssimo que antecede uma coisa grande, imensa, maior que ela mesma. e é então que o roberto, sim, ele mesmo, convida o orgulho de ser portugal aqui, a saudade de ser portugal aqui, é então que apresenta o filho para cantarem os dois o hino nacional, e é a seguir que quem já não tem pernas para ficar até ao fim há-de confirmar mais tarde, ansiosamente, se ele cantou o hino, ao que respondo que sim, ao que sossego que sim, exactamente igual a sempre, exactamente como há mil anos no futuro atrás.
Só para dizer...
magnífica esta tua descrição alada, de comunhão com a terra; vista de longe mas por dentro.
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Elipse, em 28 agosto, 2006
Nas aldeias encontramos mais depressa anjos e demónios do que nos outros sítios! As pessoas lá cultivam os anjos e repelem os mafarricos. Só isso justifica o "Abernúncia" ou o "Credo em cruz, santo nome de Jesus" muitas vezes proferidos pela minha avó. Seguidos sempre de uma benção, desenhando a cruz que a protegerá de qualquer mal. São lembranças destas que me vão trazer muitas saudades...
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patricia, em 29 agosto, 2006
Quando dizem que as aldeias pararam no tempo até têm uma certa razão. Sempre que volto à aldeia (terra do meu pai), percorro os caminhos, tomo banho no rio ou nos tanques, passeio com os meus primos e, apesar de os caminhos estarem diferentes, o rio estar menos limpo, os tanques já terem dono, as recordações são sempre as mesmas. Relembro sempre aquelas aventuras, aqueles momentos divertidos, que só tiveram significado e magia na infância e que não vão voltar a repetir-se, por muito que eu desejasse que isso acontecesse. Eu e os meus passados... nunca me liberto!
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patricia, em 29 agosto, 2006
Isto não dá para respirar, é um murro na terra. Donde saem anjos, sacudindo o pó e a solidão do deserto que atravessaram.
Trás-os -Montes, como o Alentejo é a densidade física do tudo que é nada, de nada que é tudo...
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Anónimo, em 31 agosto, 2006
o planalto mirandês é um mergulho no vento amarelo, é um mergulho no apocalipse...
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~pi, em 01 setembro, 2006
este é mesmo o ROBERTO LEAL, para quem perguntou...( quem mais podia ser?)
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~pi, em 15 outubro, 2006
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