Miolando

15 novembro, 2007

diária (7)

"uma casa mal assente em chão que pode ser água; ou faltando um tijolo, o pilar ser oco, sustentar uma força que não é; um barco emendado no furo inquieta (até que o olhar se distraia de novo pela margem); emendado também na rota; pode ser um engano; engano feliz; pode ser tragédia; o saxofone que caíu (amolgando-se) jamais afinou o fá; o passado inacabado pode terminar com alguém: amarrando-se-lhe como um fantasma ao abrir da porta; ao virar da esquina; ao atender o anónimo número de telefone; passaria todos os dias a fazer música; falar complica; falar desentende-se; não preciso mais do que os meus lábios, o meu sopro, os meus dedos, a mesma cadeira que há muito sinto partida e onde inseguro me sento para tocar; falar dá muito trabalho; oferecer uma melodia à que me entoasses se me visitaras; torne-à-la; podemos fazê-lo a partir de uns duetos antigos que encontrei anotados nestas pautas; ou podemos improvisar; as duas linhas em dança aérea como cobras; como ondulações; mãos que se comam com aflição; posso oferecer um chá; fui sempre verdadeiro enquando tocava; verdadeiro e puro; genuíno e gratuito; foste de uma beleza que jamais percebi; fazemos música a tarde toda; posso oferecer um chá"

eugénio alves da cruz. lisboa. 14 de novembro de 1978

Só para dizer...

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