Miolando

31 agosto, 2007

de repente




























e de repente é setembro,
deixar o corpo tombar,
bater no osso o eco que passou
deixar abafar o ar rente
soltar a idade que soou
porque o tempo, somos, de repente...

E ao terceiro dia
faça-se silêncio
que na noite longa
o saxofone chora
sílaba a sílaba
uma palavra infinita

27 agosto, 2007

gramática

Saudade do vocativo
determinante possessivo nome abstracto
Saudade da dupla, tripla adjectivação
da hipérbole
das perífrases
Saudade
de partir o pôr-do-sol a meio
de dividir o mar.

Como se define isto na gramática?

23 agosto, 2007















pés de praia em água doce

flores havaianas na planta dos pés
ondinhas que limpam grãos de areia fluviais

não há búzios nem conchas
mas há árvores e copas
por cima dos pés
onduladas na marca de água

21 agosto, 2007

da casa da minha avó

Quando as brumas invadiram a cidade
eu estava acordada

engoliram as casas

lamberam as ruas
galgaram as estradas

sorveram
o verde menta das montanhas
o verde alface dos vales
o verde limo dos rios

e vieram descendo escorregando até mim

Amanheceu
quando as brumas invadiram a cidade.

17 agosto, 2007

a bomba 02

dizia eu, quero a bomba,
a bomba que vai cair no meu quintal
que se desviou do passarito
quero a bomba quero quero
a que falha o alvo, que acende/apaga
eu tenho eu quero
eu
b
o
m
b
a
...

10 agosto, 2007

o homem das palavras deu notícias,
atirou palavras como sementes selvagens
atiçou o fogo, atiçou a dança...

07 agosto, 2007

para uma imagem que não existe

Havia uma sala
com aromas e cheiros.
Ali sentia-se a casa
em casa
reconhecia as paredes
pelo cheiro frio
os quadros
pelo cheiro doce
a janela
pelo cheiro fresco
a cama
pelo cheiro quente
a luz
pelo cheiro amargo!

Um dia chegou.
Abriu a mala
embalou cada aroma
emalou cada cheiro
fechou e saiu!

A sala ficou vazia.
Demorou para voltar.
Esperou, esperou...
a sala foi ganhando
novas cores, novos tons
mas não voltou a ser sua...

01 agosto, 2007



Modo de ser e não ser

isto de escrever
o fermento da noite em
lume b r a n d o
a ternura de boca em boca
nesta casa onde se faz pão
doidos ralham com razão
outra, sempre outra, a fome