Miolando

30 novembro, 2007



noc
turno

toda a poesia não vale um beijotoda a poesia não vale um beijo toda a poesia não vale um beijo toda a poesia não vale um beijo toda a poesia não vale um beijoa poesia não vale um beijonão vale um beijovale um beijoum beijo

toda a poesia não vale um beijotoda a poesia não vale um beijo toda a poesia não vale um beijo toda a poesia não vale um beijo toda a poesia não vale um beijoa poesia não vale um beijonão vale um beijovale um beijoum beijo

fotoNachOhen


29 novembro, 2007

14ª diária

"contaram-me a história que muitos sabem, de um anjo que se apaixonou por uma mulher e que, por tal, desejou a morte para com ela poder viver; a tentação tem asas para nós e atira-nos do alto de um prédio; a música não deve ser o mais importante; nem o teatro nem a pintura; nem escrever é primeiro e fundamental: porque a verdade é insuportável o afirmamos; anotamo-lo porque sem lógica o prédio seria ao contrário e nós eterna desesperança de ascensão; basilar é a mão; agarrar a mão; o olhar; o olhar-te; o corpo; dançares à minha frente e comigo; toda a poesia não vale um beijo e a esperança, não vale a ilusão e a paz de um abraço sempiterno, adormecer no teu colo quente; por isso desafiamos sempre quem quando saímos para um voo; ou preparamos na estante pequenos duetos na vontade de que ela surja para tocar; a sós jamais se morre; é um sofrimento imenso; atroz, é o inferno" eugénio alves da cruz. lisboa. 28 de novembro de 1657

28 novembro, 2007

CÂNONE DE POLICLETO

Apesar de uma nuca insidiosa, digamos
a curva, o pescoço
a cabeça
na proporção exacta

insisto,

os deuses provavelmente não adoptavam esta representação
pois ele tinha as unhas mal tratadas
e o andar um pouco vulgar
um desacerto

e,

como pela falha obscena
da distância
pôde a pura presença
tocar (erros meus) o sem nome do amor desejante.



22.11.07

27 novembro, 2007

mário cesariny


a hora que a morte me veste bonito neste fraque negro


(finalmente belo apareço translúcido)


não consigo pedir nem mais um momento


um olho segundos mais aberto


inicio de sentir medo em chegar tarde à festa


ao jantar


onde de certeza os apóstolos onde o mestre com certezas


onde tú e a impossibilidade eterna de viver agora tudo o que finalmente sei nos faria feliz


casadaconchada.coimbra.27denovembrode2006

gotas ainda gotas

da imensa vontade de chorar
e
de ter estas gotas a ressoar nas pálpebras
.
.

13ª diária

"devo ter chegado. não queria ter ido para tão longe mas tenho ainda medo de aproximar; como um canto ao contrário: ser a voz já cantada a inventar a garganta do cantor, é a imagem. para lá da montanha já se acendem fogueiras aquecendo o tempo: no deserto já se queimam noites: venho de lá e devo ter chegado; e lá o pó que baila no ar, que baila no ar como faúlhas: como olhos tontos de fogo perdido, não sei explicar. aqui estou: sem coragem para te cantar o sono, sem coragem para te agradecer a espera, com medo de me despir e abraçar o teu corpo adormecido no sofá" eugénio alves da cruz. porto. 27 de novembro de 2007.

1ª véspera

"continuo com fome, meu homem de comer os dedos; dança em torno de mim: continuo surda: faz-me fogueira que te queime: faz-me vela que te ensombre: faz-me pedra que te raspe: o meu vestido não é a devida pele: como chamar a este tempo que não quero que termine? lábios pintados? trança longa que te segure? gira em torno de mim meu homem de comer com os dedos: continuo surda: apanha-me devagar toda a força com que desejo que me apanhes: a palma da tua mão nas minhas costas de cão: torce: parte: faz-me balanço que me incendeia o fogo que te iluminará: faz-me" maria biatriz. lisboa. 27 de novembro de 2007

24 novembro, 2007
















bailada bailia

flor de fogo
enleada subia


bailada bailia

terrina de terra
seu corpo servia


bailada bailia

a dor mareava
solidão macia


bailada bailia

cega de fé
o amor lhe fugia



abriu os olhos em amêndoa
respirava sem cessar
por cima
um vidro com escamas
uma janela a suar
espreitou
vislumbrou um mundo aos ladrilhos
filtrado por gotas em trilhos







...que bate as imperceptíveis asas tão depressa

e

cegamente

busca a sombra no acaso

no destravado fascínio do acaso...





foto.baila...voaCarlaSalgueiro.

22 novembro, 2007

12ª diária

"podia dizer-te: amo-te; porque amava tanto e com tanta facilidade porque amava tanto e com tanta felicidade: agora receio: mas poderia dizer-te: o mundo nasceu antes de ti e de mim: mas o mundo nasceu quando te beijei: o mundo nasceu antes de nós mas nasceu quando te beijei: tudo acabará depois: tudo acabou antes: poderia ter dito: tenho medo do que te vou dizer: tenho medo mas a verdade é que: quero-te: porque me apaixonava com facilidade: e a facilidade estava presa a um verso a um poema a uma vontade enorme de dizer: amo-te: outra explicação: sobre os pés que vemos de cima: assentamos: o olhar: o andar: o acontecer: digo-te que o mundo nasceu antes de nós mas foi com um beijo nosso: sobre aqueles dois pés: experimentamos a felicidade sobre aqueles dois pés: há muitos outros: uma vez trocamos de pés: tudo passa a andar de outro modo: alguém perdido é alguém perdido, complexo; mas as mesmas questões de ontem moram nas de hoje: poderia dizer amo-te e beijar-te: porque gosto de ti e gostaria de te tocar: frágil, ainda anseio criar de novo o mundo e terminar depois dele, muito depois: frágil, ainda anseio fortemente criar de novo o novíssimo mundo, e o completo anterior a ele, e o absoluto que a esse anterior antecedeu; e morrer pouquíssimamente ou nada muito após o seu nobílíssimo final; parece-me que aprecias cosmogonias: escondo o medo no saxofone, finjo que não, como quem não quer e quer, seduzir-te com cosmogonias e esta noite apeteceu tanto aproximar os meus lábios dos teus e cheirar-te num silêncio tenso" eugénio alves da cruz. porto. 22 de novembro de 2007

21 novembro, 2007

11ª diária


"volto a ser antigo; o som da palma da mão, da pele, a pedra partida, percussão na madeira; tudo deve ter um ínício; a história é posterior embora não pareça; depois se recorda, depois se conta, depois se anota; receava este zero, este vazio; a invenção da morte é igualmente seguinte, não antes; receava chegar-me a nada: adivinho o som hesitante para cá para lá: para cá para lá: a decisão é final, não inicial, a maturidade é conceito recente; quanto tempo acertei a melodia, quanto tempo demorei a ser cortado por ela; quanto tempo demorei a esquecer a minha primeira morte nos teus lábios? quanto tempo levei para ressuscitar? quanto tempo levei a esquecer a minha primeira morte nos teus lábios? quanto tempo demorei a esquecer a minha primeira morte nos teus lábios? quanto tempo demorei a ganhar novo braço nova asa nova cauda novos dedos tocadores novo instrumento ao sopro da boca? quanto tempo demorei a esquecer a minha morte nos teus lábios? volto a ser antigo; para cá para lá para cá para lá, quem me ajuda" eugénio alves da cruz. roma. 21 de novembro de 1575

20 novembro, 2007

10ª diária

"há dias em que não se pode errar; no que se disser; no que se sentir; no que se tocar; há dias que serão passado e é bom que sejam bons; o concerto de logo à noite; do primeiro ao último acorde; podemos andar meses em ensaios; mas é aquela actuação. é velha a história em mim: se sabemos que naquela sala perderemos a razão, porque lhe entramos? e, entrando, porque não acendemos a luz? há dias em que o agrado geral se foi acumulando em sucessos e a consideração é então elevada; falei já de prédios assentes em falso; um sucesso mas não era bem aquilo; um sucesso mas não era bem assim; trocava toda a luz por outro prazer na escuridão; na sombra perdem-se os dedos, apagam-se os olhos, nada mais que as melodias de memória e outras de que não me suspeitava; de nada servem as letras no escuro. é velha a história em mim: se sabemos que a porta nos lançará à manhã, porque a abrimos? e, saindo, porque subimos de novo ao palco?" eugénio alves da cruz. porto. 19 de novembro de 2007

hoje de manhã

acordei
olhei pela janela
um lençol de orvalho
aquecia o meu pátio
aconchegava as plantas
sussurrava-lhes
canções de embalar
.
ao longe sirenes
buzinas
.
o pátio ficou descoberto

com os pés de fora
o lençol estendido
jazia
.
e as canções de embalar
marcavam-se pelo compasso
das gotas sim gotas não
que caíam do cano
transbordado.

17 novembro, 2007

espera sentada

cá atrás

tudo parece dourado
.
se atravessares aquela porta
jamais serás a mesma
.
estou tentada
estou sentada
a pensar
.
já vi um coelho
a entrar
sem relógio
mas com pressa
.
não tenho pressa
mas tenho relógio
.
.
.
.
a contar
a rodar
a andar sem mim

16 novembro, 2007

cauda metropolitana



não para
nada para
como faço eu
agora?

9ª diária

"a noite é maior; durante três andamentos fui imortal; e seis danças antigas tocaram tão bem mas tão bem os meus alunos; a noite pesa mais; eles ainda não sabem o que é o passado, dedilham para a frente; ainda me emociono com frases como anjo da minha alma por ti daria até a minha morte; a noite tem mais tecido, acrescenta-se levemente de flanela, enrola-se no meu corpo, aquece-o disfarçadamente como um sinuoso regresso dormente - qual o bicho que torna a casa para morrer? hoje não: dormir em paz, confesso; seis danças; vem cá ter, posso fazer um chá; apetece conversar; a noite não existe"
eugénio alves da cruz. porto. 16 de novembro de 2007.

15 novembro, 2007

8ª diária

"fotografia de luz gasta, cinzas amarelos enrolada nas pontas do papel com humidade; onde estou a primeira pergunta; quem sou, segue-se: segue-me; como era; outra imagem: camisola bonita com borboto ou comida pelas traças; posso fazer um chá; comprei há dias uma nova viola e um novo arco, o som é mais doce como se pusesse mais açúcar na tua chávena; posso fazer um chá; a cabeça que se separa do pescoço quando inicio a serração das cordas; à qual espeto os olhos, furo a cabeça com um som que me surpreende, uma corda grossa surgindo do tecto e balançando sobre o vazio, agarro-a?; salva-me; a língua cala-se, finalmente se cala; não preciso de palavras para o silêncio que a minha vida gostaria de ser; a minha vida sem mim; a minha vida comigo a mais; as vezes que toquei foram as mais verdadeiras; posso fazer chá quando me entrares devagarinho; em silêncio; podes cantar; ensina-me a cantar; como invejo a voz; quando me entrares devagarinho" eugénio alves da cruz. lisboa. 15 de novembro de 1978.

diária (7)

"uma casa mal assente em chão que pode ser água; ou faltando um tijolo, o pilar ser oco, sustentar uma força que não é; um barco emendado no furo inquieta (até que o olhar se distraia de novo pela margem); emendado também na rota; pode ser um engano; engano feliz; pode ser tragédia; o saxofone que caíu (amolgando-se) jamais afinou o fá; o passado inacabado pode terminar com alguém: amarrando-se-lhe como um fantasma ao abrir da porta; ao virar da esquina; ao atender o anónimo número de telefone; passaria todos os dias a fazer música; falar complica; falar desentende-se; não preciso mais do que os meus lábios, o meu sopro, os meus dedos, a mesma cadeira que há muito sinto partida e onde inseguro me sento para tocar; falar dá muito trabalho; oferecer uma melodia à que me entoasses se me visitaras; torne-à-la; podemos fazê-lo a partir de uns duetos antigos que encontrei anotados nestas pautas; ou podemos improvisar; as duas linhas em dança aérea como cobras; como ondulações; mãos que se comam com aflição; posso oferecer um chá; fui sempre verdadeiro enquando tocava; verdadeiro e puro; genuíno e gratuito; foste de uma beleza que jamais percebi; fazemos música a tarde toda; posso oferecer um chá"

eugénio alves da cruz. lisboa. 14 de novembro de 1978

14 novembro, 2007

nunca gostei de escrever diários / sempre tive o diário na minha cabeça, a rodar como uma película / a película ainda roda, como se o cinema ainda estivesse aberto ao público.

.
gostava de me levantar cedo ao sábado / ir ter a tua casa / encontrarmo-nos todos / irmos para a escola / saltar as grades verdes e pontiagudas / e invadirmos o piso pedroso / para passarmos lá a manhã / todos / com uma bola.
.
ficávamos suados / corríamos quilómetros dentro do mesmo rectângulo / dizíamos palavrões / dizíamos insultos / mas sempre no piso de uma amizade que era maior que o rectângulo / mais longa que a partida / mais forte que as palavras que pudéssemos alguma vez dizer.
.
o cinema agora fechou ao público / as grades ainda são verdes e pontiagudas / mas agora lanças / a película roda cedo quase todos os sábados / mas só eu a vejo / só eu assisto / aos filmes que criei / às personagens que guardei / às saudades corrosivas de chutar uma bola / de sujar o corpo no suor / de dizer palavrões e insultos / de rir e gritar / de ir para casa tomar banho e lavar da pele o pó das manhãs passadas numa amizade eterna /
.
/agora só na película.

13 novembro, 2007

LEARN TO LOOSE



1.
Os sulcos, quando nas superfícies
líquidas,
são efémeros.
O espelho (achas?) refaz-se,
mas se algum mistral,

não,
nem o mar arável
(quando o amor…)

2.
As superfícies feridas imobilizam-se e
nas ruas devassadas
agitam-se
os céus sem anjos
(um mínimo de esperança).

3.
Alguém que me ouça,
(pode haver)
tão longe de Duíno?

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12 novembro, 2007












Catedrais de luz,
os olhos do poeta,
e versos por cabelos.

Louco de amor e ira,
em linha torta se pendura
e do coração da cega lira
desfia a noite segura...

A melodia
nem a si mesma salva
mas nela lava deus
a sua alma.












11 novembro, 2007










.


.

deitadas na colcha rendada

estão as irmãs

de olhos em bico

e camisa de colarinho bordado

parcas de vida

tomam conta do fio

até perderem o fio à meada

08 novembro, 2007

sabia que não iam tocar o farol
mas a melodia já estava dentro de mim
.
.
.
.

06 novembro, 2007

diária (6)

"não sou eu, tenho dúvidas, eu não sou eu. de que serve um poema? as dúvidas mantêm-se, não sossegaram as incertezas, um homem ser um cão com menos pêlo e menos patas e abandonado inseguro à cabeça de pensamentos para além do óbvio, do necessário, do fundamental, comer, foder, fugir, atacar, deus não é fundamental, deus é uma insegurança e um poema um lamento um esforço de compreensão, um latido incompreensível, um poema não é fundamental, pode ser importante mas não é absolutamente necessário, consegue-se foder sem um verso ou uma rima, por vezes só atrapalha, consigo comer sem um livro é possível matar sem uma única página de herberto ou a fuga sem passagem alguma do novo velho testamento
(e vão tantos anos
e eu nisto
repito-me repito-me repito-me
como um poema de merda longo demasiado longo
o filho da puta do escritor que anotou que estamos sempre a escrever o mesmo
mas de modo diverso
repito-me
tantos anos e ainda aqui
ainda na mesma pergunta
ainda no mesmo erro como um poema de merda enorme
eu que tenho dúvidas e no interior de um poema de merda longo
preso num poema de merda longo
para que sirvo)"
eugénio alves da cruz. porto - portugal. 5 de novembro de 1980

04 novembro, 2007

luz sobre prata

Hoje,
o mar correu a abraçar
a torre que o embala na noite.

03 novembro, 2007

sob luz prateada

Hoje,
o mar espirrou.

02 novembro, 2007

diária (5)

"à primeira nota ficas sózinho, não só mas sózinho; podem soar todos os outros a teu lado, a bateria, o baixo, a guitarra, o trompete, mas estás sózinho. ainda não só, mas sózinho, há diferenças. tú e um horizonte que se colocará desesperadamente à tua frente e até final do teu solo: a sensação de falta de ar, o medo de errar, o receio de não experimentar tudo - porque esse horizonte ora se afasta ora se aproxima, ora te dá azul ora nevoeiro, tanto te orienta como te perde, como uma lâmina com brilho cego de sangue ou frescura, como um laço que se abre ou se fecha em torno do pescoço regulando o teu sopro. que nos faz tocar? porque não restamos em silêncio sentados entre o público? no regresso é a solidão. estás só, não sózinho, há diferenças." eugénio alves da cruz. chicago - usa. 2 de novembro de 1958