Miolando

29 março, 2008





in citação ao voo







era assim mito visivel fechadura da porta


sépia era de tão virgem


rara absorta


branca verde quase


morta






foto Julia Cameron

25 março, 2008













quando eram sinal de verão
de corridas no chão
de chutos na bola
de idas à praia
de caminhadas na areia
de concertos ao final da tarde
e na noite dentro
de calcar os pés
de alguém mais alto
para lhe chegar aos lábios
de maresia no pôr do sol
de cordões desfeitos
a arrastar pelo chão

duravam todo o verão
e no verão seguinte
repetiam-se as histórias
no mesmo pano
sem nunca se gastar a tela

21 março, 2008

maria tem 50 anos, hoje, 51 por certo, 52 talvez, não interessa. maria viveu em angola até ao dia em que receios que o seu filho fosse recrutado para a guerra a levaram a deixar o país. destino, belém, brasil, um recalcar secular das rotas quinhentistas. de corpo presente, o dela e do filho, de afectos ausentes, na distante luanda que lhe conheceu a vida toda. mulher a dias, recebendo o salário, o sal que lhe alimentava dia a dia, o corpo mas não o afecto. 8 anos. oito anos. a sua angola foi-se transfigurando, diamantes armas refugiados, sangue, muito sangue que em oito anos viu viveu à distância.não é a única história, mas é única como todas o são, genuínas. o que interessa dizer é que passados 8 anos maria voltou à sua luanda, aos seus afectos, ao que resta do país que lhe impregnou a identidade a cultura as crenças, e vive hoje, com 51 por certo, 52 talvez, não interessa, e vive hoje, com o que resta do seu afecto, da sua luanda, da sua angola.

achei por bem elevar a história acima das regras gramaticais do nosso português, faço eu o meu próprio acordo ortográfico, ou acordo gramatical, virá um por certo não? se pudesse se conseguisse, talvez escrevesse a história da maria, desta ou de outra, numa só inicial maiúscula.

"atenção! atenção! aviso à população! atenção! atenção! aviso à
população! esta madrugada deu-se uma fuga do sector dos lazeres..."

21 de março, 2001...

menos um pedaço de mundo
menos um pedaço
menos um
pescoço a bafejar

17 março, 2008

victória práctica

16 março, 2008


Guardei-te um lugar à janela
perto das tangerinas
no pasto verde

Guardei os raios de sol para ti
deitei-os na mesa
na madeira quente

Guardei-te o tempo
.
.
.
Guarda-me as horas



08 março, 2008


brotou do húmus

ao primeiro raio de claridade
subiu contra a mão a seiva
que corre nos troncos

lentamente larga a pele
desliza pelos caminhos
alimenta-se do verde
da luz clara
das cores da terra

e diz-se que dá a provar
um fruto vermelho
de seu cognome proibido



04 março, 2008

1931 MARIA GABRIELA LLANSOL 2008

" (...) a esta hora,
na sala comum,
a musicalidade do sol deve ser absoluta,
e quem toca violoncelo é o mais jovem com os dedos do mais velho"
in cantores de leitura

Maria Gabriela Llansol (1931-2008)

O texto é a única forma de identificar o sexo e a humanidade de alguém porque, ó poeta estranho, o sexo de alguém, é a sua narrativa. A sua, ou a que o texto conta, no seu lugar. Assim o sexo será como for o lugar do texto.
Quando se deseja alguém, como tu desejas Infausta, e ela deseja Johann, é o seu lugar cénico que se deseja, os gestos do texto que descreve no espaçoe chamar-lhe precioso companheiro;de mim, direi que fui uma vez enviado, trouxeste a frase que nunca antes leras, o meu corpo a disse, e não reparaste que ficaste com ela escrita.


Lisboaleipzig 2

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02 março, 2008

alex



pé ante pé
sem o ditado o ditar
a fugir do horizonte
sempre com as montanhas
escritas no suspiro
o suspirar

01 março, 2008

a quatro mãos

corri para o jardim
à procura do cheiro da Primavera

ouvi uma voz
que rezava para o chão
um ceptro que se erguia firme
e duas mãos lado a lado repousadas

sentei-me a seu lado
confessou-me que já não tinha forças
para albergar

não sei se por confissão
se por expiação ou absolvição
sorriu ternamente
eternamente
...

e antes de me afastar
deixei-lhe o sol das minhas
nas suas mãos