resoluções de marca nova
ponto um: continuar
não possuo enxoval
nem colecciono rendas,
panos e louças
para levar comigo um dia
no meu dote
tenho as rendas
bordadas ao fim do dia no céu poente
os panos de fibra verde
estendidos sobre a terra
as louças de cacos fosséis
banhadas a espuma
e um baú sem fundo agrilhoado
onde guardo a quinquilharia
que apanho todos os dias
"estou um pouco demorado. mas pretendo atingir as mil melodias. agora é hoje e hoje é depois. ontem jurei em silêncio que em janeiro não tocaria mais com ela. a sensação de frescura é traiçoeira, bem sei; a ilusão da mudança pode trazer o reinício em que nada se sabia, nem o que agora anoto, nem um sopro, nem o seu beijo quente; mas pretendo atingir as mil canções; a partir de janeiro. ontem, depois do ensaio, desci as escadas percebendo que talvez nada me mate; o que assustadoramente se afirma como nada me vive; mas pretendo compor mil nem que para isso tenha que chegar a janeiro só, tão só como me sinto agora que é hoje e depois de ontem" eugénio alves da cruz. lisboa. 13 de dezembro de 1997.tanto tempo a parar nas mesmas palavras cegos como surdos tudo se roda interminável num tempo de vidro sem urgência nem vagar um tempo liso sem tempo tudo se come apenas se enrola se engana sem quase ser atravesso as plantas dos pés imóveis bem assentes nos riscos os mapas ramificadas as pernas incapaz de reconhecer a regularidade insidiosa do discurso um discurso sem fala frases esburacadas iguais a mil frases outras mil bocas outras tudo se joga de facto no corpo um corpo de pele intemporal e porém visível em dias onde desmedidamente o calor onde tudo se abre onde nada se abre onde se joga tudo diria ela tudo o que não foi capaz de reconhecer vazio para si do ouvinte haveria de esquecer aquela afonia tão prevível tão escancarada tão incontornavelmente desamparada que se deixara morrer dentro do discurso onde nunca se geme onde nunca se grita onde nunca se acola onde nunca se nem a respiração reconhece agora tinha ficado caída na terra há quanto tempo há quantas letras quantas luas ondas que barcos a água do discurso draga líquido que chupa líquido e se encolhe se recolha recta à medida dos ossos já brancos roxos de sinais agudos agonia cerrada com força na palma da mão
mapa 
foto Ema / L
"vou ter contigo esta noite. já. agora. já devia ter ido. não me farás mal. não magoas. nenhuma das tuas melodias foram feitas para matar. o tempo que demoras é o eco com que me chamas. não aguento esperar. não suporto adormecer em frente à televisão. deveria ser mais do que esta falta sobre o corpo mas não sou. enrolo quando me acenas. ronrono quando me afagas; preciso tanto do teu abraço e que toques para mim; ou ao meu lado; ou escutar-te no quarto dos fundos; não suporto adormecer à tua espera, vou ter contigo; não me matarás, não bates com as tuas músicas; o tempo que atrasas é a fundura do eco com que me chamas; cantarei o que for preciso; faz da minha voz a melodia necessária; e regressa comigo, meu amor, regressa comigo, adormece enrolado em mim até terminar a emissão" maria biatriz. lisboa. 11 de dezembro de 1998Etiquetas: andrei rubliov
"quem regressa tardio como eu; lhe faltam palavras; gasta vontade não levanta braços não emite sons, não os enrola na língua de sensos; a paz deve conter sempre algum cansaço; é fácil lembrar o corpo dela; de como transpirava; já tenho idade para perceber que me escondo na boca do saxofone; e que é dele que surjo como bicho da cova: e que a ele torno; e que dele saio; alguma da ciência é o tempo quando: o bicho procura comida quando a fome, esconde-se ameaçado; lembrar o corpo dela; de como tremia; passar o tempo todo em concerto que não termine - não termine o seu respirar ofegante, não acabe a língua longa com que me molhava, não mo faça esperar: quem regressa tardio como eu - já tenho idade para perceber que morro e como ser eterno: apertar ligeiramente os lábios, um ataque de leve sopro em torno da boquilha e; o sopro de que se vive ser o sopro que esvazia; o som que amplia ser a melodia que ensurdece; confuso; cansado. cansado."
no corpo nu limpo e volátil
rio de abrigo névoa de abraço
a luz não fala apenas se arde
foto. lonesome swimmer Sonja Kersten