resoluções de marca nova
ponto um: continuar
não possuo enxoval
nem colecciono rendas,
panos e louças
para levar comigo um dia
no meu dote
tenho as rendas
bordadas ao fim do dia no céu poente
os panos de fibra verde
estendidos sobre a terra
as louças de cacos fosséis
banhadas a espuma
e um baú sem fundo agrilhoado
onde guardo a quinquilharia
que apanho todos os dias
tanto tempo a parar nas mesmas palavras cegos como surdos tudo se roda interminável num tempo de vidro sem urgência nem vagar um tempo liso sem tempo tudo se come apenas se enrola se engana sem quase ser atravesso as plantas dos pés imóveis bem assentes nos riscos os mapas ramificadas as pernas
incapaz de reconhecer a regularidade insidiosa do discurso um discurso sem fala frases esburacadas iguais a mil frases outras mil bocas outras tudo se joga de facto no corpo um corpo de pele intemporal e porém visível em dias onde desmedidamente o calor onde tudo se abre onde nada se abre onde
se joga tudo diria ela tudo o que não foi capaz de reconhecer vazio para si do ouvinte haveria de esquecer aquela afonia tão prevível tão escancarada tão incontornavelmente desamparada que se deixara morrer dentro do discurso onde nunca se geme onde nunca se grita onde nunca se acola onde nunca se nem
a respiração reconhece agora tinha ficado caída na terra há quanto tempo há quantas letras quantas luas ondas que barcos a água do discurso draga líquido que chupa líquido e se encolhe se recolha recta à medida dos ossos já brancos roxos de sinais agudos agonia cerrada com força na palma da mão
foto Ema / L
Etiquetas: andrei rubliov
no corpo nu limpo e volátil
rio de abrigo névoa de abraço
a luz não fala apenas se arde
foto. lonesome swimmer Sonja Kersten